quinta-feira, 19 de janeiro de 2012


LÍLITCHKA!

Vladímir Maiakóvski
 

Em lugar de uma carta 

Fumo de tabaco rói o ar. 
O quarto — um capítulo do inferno de Krutchônikh. 
Recorda — atrás desta janela 
pela primeira vez apertei tuas mãos, atônito. 
Hoje te sentas, no coração — aço. 
Um dia mais e me expulsarás, 
talvez, com zanga. 
No teu hall escuro longamente o braço, 
trêmulo, se recusa a entrar na manga. 
Sairei correndo, lançarei meu corpo à rua . 
Transtornado, tornado louco pelo desespero. 
Não o consintas, meu amor, meu bem, 
digamos até logo agora. 
De qualquer forma o meu amor 
— duro fardo por certo —
pesará sobre ti onde quer que te encontres. 
Deixa que o fel da mágoa ressentida 
num último grito estronde. 
Quando um boi está morto de trabalho 
ele se vai e se deita na água fria. 
Afora o teu amor para mim não há mar, 
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia. 
Quando o elefante cansado quer repouso 
ele jaz como um rei na areia ardente. 
Afora o teu amor para mim não há sol, 
e eu não sei onde estás e com quem. 
Se ela assim torturasse um poeta, 
ele trocaria sua amada por dinheiro e glória, 
mas a mim nenhum som me importa 
afora o som do teu nome que eu adoro. 
E não me lançarei no abismo, 
e não beberei veneno, 
e não poderei apertar na têmpora o gatilho. 
Afora o teu olhar 
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho. 
Amanhã esquecerás que eu te pus num pedestal, 
que incendiei de amor uma alma livre, 
e os dias vãos — rodopiante carnaval — 
dispersarão as folhas dos meus livros... 
Acaso as folhas secas destes versos 
far-te-ão parar, respiração opressa?
Deixa-me ao menos arrelvar numa última carícia 
teu passo que se apressa. 

1916 

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