Subir pelo lado que desce
Viver
é subir uma escada rolante pelo lado que desce.
Ouvindo
esta frase, imaginei qualquer pessoa nessa acrobacia que as crianças fazem ou
tentam fazer: escalar aqueles degraus que nos puxam inexoravelmente para baixo.
Perigo, loucura, inocência, ou uma boa metáfora do que fazemos
diariamente?
Poucas
vezes me deram um símbolo tão adequado para a vida, sobretudo naqueles períodos
difíceis em que até pensar em sair da cama dá vontade de desistir. Tudo o que
quereríamos era taparmos a cabeça e dormirmos, sem pensarmos em nada, fingindo
que não estamos nem aí…
Porque
Tanatos, isto é, a voz do poço e da morte, nos convoca a cada minuto para que,
enfim, nos entreguemos e acomodemos. Só que acomodar-se é abrir a porta a tudo
aquilo que nos faz cúmplices do negativo. Descansaremos, sim, mas tornando-nos
filhos do tédio e amantes da pusilanimidade, personagens do teatro daqueles que
constantemente desperdiçam os seus próprios talentos e dificultam a vida dos
outros.
E
o desperdício da nossa vida, talentos e oportunidades é o único débito que no
final não se poderá saldar: estaremos no arquivo-morto.
Não
que não tenhamos vontade ou motivos para desistir: corrupção, violência, drogas,
doença, problemas no emprego, dramas na família, buracos na alma, solidão no
casamento a que também nos acomodamos… tudo isso nos sufoca. Sobretudo, se
pertencermos ao grupo cujo lema é: Pensar, nem pensar… e a vida que se
lixe.
A
escada rolante chama-nos para o fundo: não dou mais um passo, não luto, não me
sacrifico mais. Para quê mudar, se a maior parte das pessoas nem pensa nisso e
vive da mesma maneira, e da mesma maneira vai morrer?
Não
vive (nem morrerá) da mesma maneira. Porque só nessa batalha consigo mesmo,
percebendo engodos e superando barreiras, podemos também saborear a vida. Que
até nos surpreende quando não se esperava, oferecendo-nos novos caminhos e novos
desafios.
Mesmo
que pareça quase uma condenação, a ideia de que viver é subir uma escada rolante
pelo lado que desce é que nos permite sentir que afinal não somos assim tão
insignificantes e tão incapazes.
Então,
vamos à escada rolante: aqui e ali até conseguimos saltar degraus de dois em
dois, como quando éramos crianças e muito mais livres, mais ousados e mais
interessantes.
E
porque não? Na pior das hipóteses, caímos, magoamo-nos por dentro e por fora, e
podemos ainda uma vez… recomeçar.
Lya Luft
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